“O meu reino não é deste mundo” (Jo 18,36)! Jesus explica a Pilatos o verdadeiro sentido de sua realeza, que consiste em revelar Deus ao mundo, dar testemunho da verdade e introduzir no seu reino todos aqueles que são da parte da verdade. Pilatos não entende, ou pelo menos demonstra não ter nenhum interesse em outro reino que não seja o da política.

Os discípulos também não entenderam imediatamente em que consistia o reinado escatológico do Messias. No contexto da cultura judaica na qual estavam envolvidos, interpretavam as esperanças messiânicas em chave política, e esperavam mesmo que seria estabelecido um reinado terreno. Demoram a aceitar o caminho da cruz, da entrega de vida, e do serviço aos outros. Jesus os questiona quando reivindicam os primeiros lugares no poder, ou quando discutem quem será o maior dentre eles: “Os reis das nações dominam sobre elas, e os que exercem o poder se fazem chamar benfeitores. Entre vós não seja assim. Pelo contrário, o maior entre vós seja como o mais novo, e o que manda, como quem está servindo... Eu, porém, estou no meio de vós como aquele que serve” (Lc 22,25ss).

Segundo o Catecismo da Igreja Católica, a “impostura anticrística se esboça no mundo toda vez que se pretende realizar, na história, a esperança messiânica, a qual só pode se realizar para além dela, por meio do juízo escatológico: mesmo em forma branda, a Igreja rejeitou esta falsificação do reino vindouro sob o nome de milenarismo, sobretudo sob a forma política de um messianismo secularizado, ‘intrinsecamente perverso’” (CIC, n. 676).

Questões como essas que pareciam superadas há tempos, retornam novamente e dão corpo ao que se tem chamado de “teologia do domínio”, ou dominionismo. O tema foi abordado na última Assembleia do Regional Sul 1 da CNBB, e é considerado muito importante para entender o contexto religioso e político que estamos vivendo, no mundo e no Brasil, e para o devido discernimento e posicionamento para a missão evangelizadora da Igreja, na fidelidade ao Concílio Vaticano II. Na partilha realizada na Assembleia salientou-se que se trata mais de ideologias políticas que se servem da religião para afirmar-se, do que realmente de teologia.

É preciso, portanto, conhecer melhor o fenômeno e seus fundamentos, para perceber o que está por trás da chamada teologia do domínio.

O dominionismo originou-se nos movimentos evangélicos dos Estados Unidos na década de 1970 e cresceu particularmente no neopentecostalismo. Ele agrupa várias tendências cristãs fundamentalistas, incluindo nelas também católicos. Trata-se de um conjunto de ideologias políticas que visam submeter a vida pública ao domínio religioso dos cristãos, como uma nova forma de teocracia. Tudo é visto como um grande combate do bem contra o mal. Através da estratégia da reconquista dos “Sete Montes”, busca-se reconstruir o domínio sobre a realidade com base nos valores cristãos, para preparar o retorno de Jesus Cristo. Os sete montes são: família, religião, educação, mídia, lazer, negócios e governo.

Esta visão está na base das ações de cristãos que buscam dominar os setores políticos e as instituições, buscando implantar um projeto de poder político a partir da visão religiosa, e consolidar o grande projeto nacionalista que dizem ser “para Cristo”.

A necessária relação entre fé e política, com a sadia distinção e autonomia entre política e religião que se constitui numa conquista do nosso tempo, é abalada com o retorno de uma nova forma de teocracia, na qual a religião deve governar tudo e se impor a todos, e controlar as instituições políticas e culturais, eliminando qualquer diferença ou visão diferente.

Os fundamentos do dominionismo são buscados de forma fundamentalista de preferência no antigo testamento, como resgate de um sionismo “cristão”, um povo herdeiro da promessa de conquista da terra. Não se encontram referências à Encarnação de Jesus Cristo e, por consequência, de sua proposta de Reino. A Cristologia conflita com a Antropologia. Não há espaço para o diálogo entre a Bíblia e a Ciência, entre a Fé e a Razão.

Tudo é visto como uma batalha espiritual para eliminar o mal. Instaura-se a violência simbólica que passa da teologia do ódio à teologia da eliminação do outro, do diferente, daquele que não comunga das mesmas ideias e é visto somente como pecador e inimigo que deve ser eliminado.

Concluímos, portanto, que estamos diante de grandes desafios para a evangelização e para a convivência pacífica e democrática na sociedade. A proposta do Jubileu 2025, de retomar os ensinamentos do Concílio Vaticano II tornou-se um imperativo e grande oportunidade para o discernimento da realidade e direcionamento de nossa ação evangelizadora nos dias atuais, a serviço do reino de Deus.