Já estamos em plena quaresma, a caminho da Páscoa. Neste tempo, alimentamos a espiritualidade com a intensificação da oração, sobretudo com a escuta atenta da Palavra de Deus e a Eucaristia. A instituição da Eucaristia será recordada na Semana Santa. Ela está no centro do Mistério Pascal, e, portanto, a boa vivência da quaresma passa também pelo aprofundamento da espiritualidade eucarística.

A Eucaristia é a expressão maior do caminho sinodal da Igreja. A ausência da Eucaristia é termômetro de nosso afastamento da comunhão da Igreja e, portanto, do afastamento de Cristo. 

A comissão teológica internacional apresenta em um artigo de seu estudo sobre a sinodalidade na vida e na missão da Igreja, os elementos específicos da vida cristã que formam o amor sinodal na Eucaristia, que é “a fonte e o paradigma da espiritualidade de comunhão” (Cf. Vatican.va - A sinodalidade na vida e na missão da Igreja, Comissão teológica internacional, art. 109, 2 de março de 2018). Transcrevo:

“a) A invocação da Trindade. A reunião eucarística inicia com a invocação da Santíssima Trindade. Convocada pelo Pai, em virtude da Eucaristia, a Igreja se torna na efusão do Espírito Santo o sacramento vivente de Cristo: “Onde dois ou três estão reunidos no meu Nome, aí estou Eu no meio deles” (Mt 18,19). A unidade da SantíssimaTrindade na comunhão das três Pessoas divinas se manifesta na comunidade cristã chamada a viver “a união na verdade e na caridade”, por meio do exercício dos respectivos dons e carismas recebidos do Espírito Santo, em vista do bem comum.

b) A reconciliação. A reunião eucarística propicia a comunhão através da reconciliação com Deus e com os irmãos. A confissão dos pecados celebra o amor misericordioso do Pai e exprime a vontade de não seguir a via da divisão causada pelo pecado, mas o caminho da unidade: “quando apresentares a tua oferta diante do altar e te recordares que teu irmão tem alguma coisa contra ti, vai primeiro reconciliar-te com teu irmão e depois apresenta tua oferta” (Mt 5,23-24). Os eventos sinodais implicam o reconhecimento das próprias fragilidades e o pedido do recíproco perdão. A reconciliação é o caminho para viver a nova evangelização.

c) A escuta da Palavra de Deus. Na reunião eucarística, escuta-se a Palavra para acolher a sua mensagem e com esta iluminar o caminho. Aprende-se a escutar a voz de Deus meditando a Escritura, especialmente o Evangelho, celebrando os Sacramentos, sobretudo a Eucaristia, acolhendo os irmãos, especialmente os pobres. Quem exercita o ministério pastoral e é chamado a partir o pão da Palavra junto ao Pão eucarístico, deve conhecer a vida da comunidade para comunicar a mensagem de Deus no aqui e agora que esta vive. A estrutura dialógica da liturgia eucarística é o paradigma do discernimento comunitário: antes de se escutarem uns aos outros, os discípulos devem escutar a Palavra.

d) A Comunhão. A Eucaristia “cria comunhão e propicia a comunhão” com Deus e comos irmãos. Gerada pelo Cristo mediante o Espírito Santo, a comunhão é participada por homens e mulheres que, possuindo a mesma dignidade de batizados, recebem do Pai e exercem com responsabilidade diversas vocações – que brotam do Batismo, da Confirmação, da Ordem sacra e de específicos dons do Espírito Santo – para formar um só Corpo dos muitos membros. A rica e livre convergência dessa pluralidade na unidade é aquilo que deve ser ativado nos eventos sinodais.

e) A missão. Ite missa est. A comunhão realizada pela Eucaristia impele à missão. Quem participa do Corpo de Cristo é chamado a compartilhar com todos da sua alegre experiência. Todo evento sinodal impulsiona a Igreja a sair do acampamento (Hb 13,13) para levar Cristo aos homens que esperam a sua salvação. Santo Agostinho afirma que devemos “ter um só coração e uma só alma no caminho para Deus”. A unidade da comunidade não é verdadeira sem este télos interior que a guia pelas veredas do tempo em direção à meta escatológica de “Deus tudo em todos” (1Cor 15,28). É preciso sempre deixar-se interpelar pela pergunta: como podemos ser verdadeiramente Igreja sinodal senão vivemos “em saída” em direção a todos para ir juntos em direção a Deus”. 

Outro subsídio para o aprofundamento da Eucaristia como fonte de sinodalidade encontramos no artigo do Prof. Dc. Sérgio Sezino, na Revista Vida Pastoral, que tratada experiência eucarística como fonte da comunhão eclesial. Recomendo a leitura integral do artigo neste tempo da quaresma, pois contém os elementos fundamentais dessa importante reflexão neste momento em que vivemos. O artigo pode ser acessado na Internet (Cf. Sergio Sezino Douets Vasconcelos, Revista Vida Pastoral, novembro-dezembro de 2022, ano 63, n. 348, pp. 30-35). 

Após apresentar os fundamentos da sinodalidade na Eucaristia, Sérgio aponta o problema de uma catequese eucarística que deu ênfase ao “encontro pessoal” com Cristo, compreendido em uma perspectiva intimista, “reduzindo o mistério eucarístico a um ‘culto à hóstia’, em alguns casos com forte apelo emocional e com influência de elementos estranhos à tradição litúrgica e sacramental da Igreja”. É preciso recuperar o sentido da experiência eucarística como “plena comunhão com o corpo eclesial de Cristo, a Igreja”. E acrescenta: “É na experiência eucarística que vamos nos conformando a ele, na escola mistagógica do sacramento da Eucaristia. Quando,verdadeiramente, se vive o mistério eucarístico, o que brota dessa experiência é uma Igreja que encontra e celebra sua identidade como corpo, unido pela “comunhão e participação”, vivendo na permanente busca escatológica de comunhão em meio à sua diversidade”.

Finalmente, na linha desse aprofundamento, a quaresma é tempo oportuno para implementar o projeto 1 do Pilar do Pão de nosso Plano Diocesano de Evangellização, que trata da “valorização do Domingo e da Eucaristia”. Este projeto tem como objetivo justamente “valorizar o Domingo como dia do encontro com o Senhor na Eucaristia e na Comunidade fraterna”. É preciso realizar as ações propostas, pois elas significam atuar de forma concreta no aprofundamento da espiritualidade eucarística em nossa vivência sinodal na Igreja.