“Convertei-vos e crede no Evangelho”. No início da quaresma, tempo de preparação para a Páscoa, ao impor-nos cinzas em nossas cabeças, a Igreja repete este convite de Jesus para retomarmos o caminho do Reino de Deus.

No tempo da quaresma recordamos o nosso Batismo, grande dom e acontecimento de amor de Deus em nossa vida. Pelo Batismo fomos inseridos no Mistério da Morte e Ressurreição de Cristo, integrados em seu corpo místico. Nossa vida foi transformada e consagrada para continuar a missão de Cristo, como sacerdotes, profetas e reis. Por isso, nos empenhamos no processo de conversão, para correspondermos sempre melhor ao grande dom da fé que recebemos e para aprofundar nosso seguimento de Cristo como discípulos e missionários. É por isso que a Páscoa nos enche de alegria e nos rejuvenesce, porque nos faz crescer na vida nova que Cristo nos dá.

As práticas de oração, jejum e esmola propostas para a quaresma favorecem nossa conversão, e tem sentido se tocarem nosso coração. Não podem ser apenas práticas exteriores. A palavra do profeta Joel também nos é recordada neste dia: “Rasgai o coração, não as vestes” (Jl 2,13).

O lema da Campanha da Fraternidade deste ano não deixa dúvidas sobre esta necessidade. Os discípulos queriam que Jesus dispensasse o povo faminto, mas este lhes diz: “Dai-lhes vós mesmos de comer”. No início desta passagem, o evangelista Mateus já havia testemunhado como ele percebia o coração rasgado de misericórdia de Jesus: “quando desembarcou, vendo Jesus essa numerosa multidão, moveu-se de compaixão para ela”. Para que essa compaixão chegasse também ao coração dos discípulos, Jesus os faz partilhar.

Por isso, a Campanha da Fraternidade é um forte exercício de conversão quaresmal que exige sempre oração para configurar-se a Cristo misericordioso, jejum para sentir as necessidades dos que sofrem, e caridade, para repartir com os necessitados os dons que possuímos.

Ao recordar a multiplicação dos pães, aprendemos também o ensinamento de Jesus iluminando nossa vida de cada dia. Também neste momento ele não transforma pedras em pães, mas envolve a todos para realizar o milagre da multiplicação.

A sensibilidade das comunidades cristãs com os famintos leva a constantes partilhas de alimento, de cestas básicas e outros gestos de solidariedade. A Igreja nos orienta também a realizarmos outros tipos de ação, mais ampla, que poderíamos chamar de promoção de políticas públicas com amplo sentido social. O magistério da Igreja, desde o Papa Pio XI, tem ressaltado que “A política é a mais alta forma de caridade”. De fato,a fome não é consequência da quantidade de pessoas na face da terra, mas da desigualdade social e do desperdício de alimentos e somente uma ação mais estrutural pode ser mais eficaz para atingir a raiz dos problemas.

Recordar algumas afirmações fortes pode ajudar-nos a rasgar o coração para uma sensibilidade misericordiosa para com os pobres, neste caminho de conversão quaresmal:

- “Tive fome e me destes de comer”... “Todas as vezes que fizestes isso a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes”... Todas as vezes que deixastes de fazer isso a um destes pequeninos, foi a mim que o deixastes de fazer. E estes irão para o castigo eterno, e os justos, para a vida eterna” (Mt 25,35.40.45-46).

- “Se a um irmão ou a uma irmã faltarem roupas e o alimento cotidiano, e algum de vós lhes disser: ‘ide em paz, aquecei-vos e fartai-vos’, mas não lhes der o necessário para o corpo, de que lhes aproveitará? Assim também a fé: se não tiver obras, é morta em si mesma” (Tg 2,15-17).

- “O pão que para ti sobra é o pão do faminto. A roupa que guardas mofando é roupa de quem está nu. Os sapatos que não usas são os sapatos dos que andam descalços. O dinheiro que escondes é o dinheiro do pobre. As obras de caridade que não praticas são outras tantas injustiças que cometes. Quem acumula mais do que o necessário pratica crime” (São Basílio – 330-379).

- “De que adianta se a mesa eucarística estiver sobrecarregada com cálices de ouro quando seu irmão estiver morrendo de fome? Comece satisfazendo a fome dele edepois, com o que resta, você também pode adornar o altar” (São João Crisóstomo –349-407).

- “Alimenta o que morre de fome, porque, se não o alimentaste, mataste-o” (Vaticano II,Gaudium et Spes, 69, citando os padres da Igreja).

- “Produzimos comida suficiente para todas as pessoas, porém muitas ficam sem o pão de cada dia. Isso constitui um verdadeiro escândalo, um crime que viola direitos humanos básicos. Portanto, é um dever de todos extirpar essa injustiça mediante ações concretas e boas práticas, e mediante políticas locais e internacionais ousadas (Papa Francisco, 2021, junto à Pré-Cúpula sobre os sistemas alimentares da ONU).

A Campanha da fraternidade nos ajuda num verdadeiro itinerário de conversão, para que vivamos em nossa vida o mistério da paixão, morte e ressurreição, a Páscoa doSenhor e tudo o que ela implica na vivência da fé.