Com a quarta-feira de cinzas iniciamos a quaresma, tempo de preparação para a grande festa da Páscoa. Tempo de recordar nosso Batismo, pelo qual nos tornamos nova criatura, porque inseridos no Mistério da Morte e Ressurreição de Cristo.
Esta nova criatura precisa configurar-se sempre mais a Cristo, crescendo em sabedoria e graça. Assaltados pela tentação do pecado, que nos cerca como nuvem de gafanhotos que devasta tudo, conforme a alegoria do profeta Joel, necessitamos de conversão constante. O tempo da quaresma nos coloca num dinamismo de penitência, com o convite de Deus através do profeta: “Voltai para mim de todo o coração” (Jl2,12).
O distanciamento de Deus se manifesta pelo fechamento em nós mesmos, nos pequenos interesses, nas fraquezas e infidelidades, na acomodação, no afastamento dos irmãos e irmãs, esquecendo-nos de que “somos todos irmãos” (Mt 23,8). Por isso, a Igreja faz ressoar novamente o convite insistente de Deus, nas palavras do Apóstolo Paulo: “Deixai-vos reconciliar com Deus”... “Este é o tempo favorável, o tempo de salvação (2 Cor 5,20. 6,2).
Com o apelo da Campanha da Fraternidade, Deus nos chama à conversão para avida fraterna e a amizade social. Devemos superar a “síndrome de Caim”: “não só não nos sentimos mais responsáveis uns pelos outros como também, ainda que não nos expressemos desse modo, desejamos que as pessoas que pensam diferentemente de nós desapareçam, isto é, sejam na prática exterminadas” (Texto Base da CF, n. 55). A resposta de Caim ao Senhor que lhe pergunta onde está seu irmão Abel, expressa bem a indiferença para com os irmãos: “Não sei. Acaso sou o guarda do meu irmão” (Gn 4,9)? Esse tempo deve reavivar em nós a graça que nos faz nova criatura, completamente reconciliada com Deus e com os irmãos, como nos pede Jesus no Evangelho mandando que nos reconciliemos com o irmão antes de fazer a oferta diante do altar (Cf. Mt 5,21-24).
A síndrome pessoal tem reflexos na vida social. A reflexão da Campanha a caracteriza como uma “enfermidade bem específica a qual podemos denominar como ‘alterofobia’, ou seja, medo, rejeição, aversão a tudo aquilo que é o outro, tudo o que não sou eu mesmo. A palavra é estranha, mas a situação que ela indica é real, presente e incisiva, dia após dia, alimentando mentalidades e gerando atitudes. A outra pessoa, a outra causa, o outro sonho, o outro esforço, tudo, enfim, que não seja eu mesmo, acaba por se tornar desnecessário, ameaçador, destinado à rejeição e até mesmo à extinção”(Texto Base, n. 73).
A cura para a síndrome de Caim e a alterofobia passa por um caminho de penitência bem delineado na proposta do Sínodo por uma Igreja Sinodal: comunhão, participação e missão. Este processo envolve nossa vida dentro da Igreja e também na sociedade. Somos chamados a ser testemunhas e agentes de comunhão, pois a fraternidade é expressão da presença do Reino de Deus entre nós. Quando o Papa insiste sobre a necessidade da amizade social na Encíclica “Somos Todos Irmãos” está se referindo a esta realidade, que deve ser enfrentada com o diálogo, a amabilidade e a solidariedade como compromisso de construção do bem comum (Cf. FT, Cap. VI).
As práticas do jejum, da oração e da esmola (caridade), intensificadas no tempo da quaresma, nos ajudam no caminho penitencial para a transformação de nosso ser e para a regeneração social. “Busquemos tenazmente tudo o que contribui para a paz e a edificação de uns pelos outros” (Rm 14,19).
Este é o caminho transformador que nos prepara para a grande celebração da Páscoa.